Em 2018 o Brasil enfrentou uma greve geral de caminhoneiros que comprometeu o abastecimento de combustível e bloqueou o acesso às principais vias de transporte das grandes cidades. Isso foi um treinamento para o que viria depois… a grande pandemia do século!
Confira o storytelling que eu escrevi em julho de 2018.
Toda crise é também uma oportunidade de olhar para fora do nosso mundinho, das nossas crenças e das nossas fórmulas tão antigas que nem sabemos mais onde começam ou onde terminam.
Como uma empresa superou a barreira do conformismo e se permitiu inovar diante de um acontecimento que parou o país, é a história abaixo.
Leia este storytelling e depois me diga: o que você teve que fazer para sobreviver aos solavancos desse mundo louco?
MEU CHEFE ME MANDOU PRA CASA. E AGORA?
Luciana é operadora de telemarketing numa empresa de acessórios para veículos há 5 anos.
Trabalha das 9 às 15h de segunda à sexta.
Todo dia reclama ao chefe da condução lotada. Perde ônibus, perde a hora e faz o chefe, Honório, pedir à Deus paciência.
É uma excelente profissional, supera a meta e os clientes gostam muito dela, mas quando não está ao telefone vendendo, está reclamando de alguma coisa: o café da empresa é ruim, a colega do lado fala muito alto, a comida do restaurante dá dor de estômago, a cadeira da cozinha dela é melhor que a da sua baia…
– Luciana, o estudo sobre a ergonomia que encomendamos e fez a empresa trocar todas as cadeiras foi por sua causa, dizia o chefe contando até 100…
– Mas eu não gosto dessa cadeira, repetia ela.
– Você também não gostava da outra, e da outra. Até o gerente já cedeu a cadeira dele pra você, e você continua reclamando… E o apoio ergonômico para os pés que você não usa? Tudo te atrapalha!
– Eu preferia trabalhar da minha casa, martelava ela.
– Você fala isso desde o dia que entrou aqui.
– E vocês não escutam… os tempos mudaram, seu Honório, estou dizendo!
– Como vamos controlar a sua produtividade, Luciana? Você vai cumprir horário? Vai continuar a bater meta?
– Oxe, seu Honório, e não sou eu que faço meu salário aqui, com a minha comissão? Acha mesmo que eu vou querer viver só do fixo?
– Vai vender, menina – dizia ele quando não tinha mais argumentos. Luciana era mesmo uma pimentinha.
O gerente chamou Honório na sala.
– Acabei de voltar de uma reunião com a Diretoria e eles estão me apertando para já resolver um problemão que vai estourar nos próximos dias. A coisa está feia. Senta aí e assista a essa notícia sobre a greve dos caminhoneiros:
GREVE DOS CAMINHONEIROS PARA O BRASIL
Honório ficou aterrorizado. Logo pensou na queda das vendas.
Tinham uma equipe de 5 operadores de telemarketing morando cada uma num canto da cidade, como fazer com que chegassem ao trabalho e retornassem para suas casas? Ele mesmo, se isso fosse verdade, não teria como chegar… E ele nem sabia dessa greve.
O chefe entregou-lhe 2 cartões, um da contadora e o outro do advogado, pergunte a eles como devemos fazer para colocar esse pessoal no regime de Teletrabalho por 15 dias, já.
– Enquanto você faz isso, vou ligar para aquele executivo de TELECOM para resolver a comunicação do pessoal com os clientes e controlar a produtividade.
Honório saiu zonzo da sala, nem sabia o que era Teletrabalho.
Ligou para a contadora e descobriu que a nova legislação trabalhista regulamentava o trabalho fora da empresa.
Orientou-o rever o benefício como vale transporte – no período de teletrabalho não era necessário. Ele começou a ver vantagem nisso. Iria diminuir o custo do seu departamento refletindo na eficiência, uma vez que com menos recurso financeiro poderia ser que tivesse o mesmo desempenho da equipe.
Ela ainda sugeriu dar ao empregado a opção de trocar o Vale Refeição por Vale Alimentação. Ele logo lembrou da dor de estômago da Luciana.
Por fim, ligou para o advogado que estava muito feliz – era o terceiro cliente que o consultava aquele dia sobre o mesmo assunto.
Este o orientou a fazer um acordo individual de teletrabalho temporário devido a contingências provocadas pela greve dos caminhoneiros – com a nova legislação não é mais necessário homologar no sindicato.
Também orientou com relação aos gastos de energia elétrica do funcionário e a questão da infraestrutura tecnológica – cada caso era um caso. O causídico iria enviar um modelo de acordo para que fosse lido e discutido com os funcionários.
Sugeriu que o RH enviasse aos funcionários orientações sobre prevenção de acidentes e ginástica laboral.
Quando foi ao cantinho do café, lá estava Luciana reclamando de alguma coisa.
Ele riu e provocou: – Cuidado com o que você pede, você ainda vai ser atendida!
Ela riu e respondeu – O senhor que pensa, sei muito bem o que eu quero.
O executivo de TELECOM já vinha implementando um PABX VIRTUAL para a empresa e facilmente resolveu o problema de telefonia. E a empresa já tinha um sistema de gestão de produtividade com login e logoff muito mal aproveitado.
Quando tudo estava praticamente resolvido, e Luciana já desfilava nos corredores da empresa rindo de orelha a orelha – agora sim, a coisa vai! – o Diretor Geral mandou suspender todo o processo.
Não estava convencido que isso ia dar certo. Chamou Honório e seu gerente na sala de reunião.
A Rádio Peão imediatamente já disparou a notícia nos corredores. Luciana já estava de novo reclamando sem parar.
Honório entrou na sala de reuniões se perguntando como é que as pessoas sabem das coisas tão rapidamente!
O Diretor, muito prático e objetivo foi direto ao assunto:
– Estamos em videoconferência com o nosso consultor para Telecomunicações e TI. Gostei muito das soluções encontradas e já vi que teríamos uma redução de custos muito interessante.
– Ele está aqui me garantindo que poderemos melhorar ainda mais o controle da produtividade utilizando melhor os recursos de software que já temos.
Vamos utilizar o PABX VIRTUAL, mas a ideia é depois implementarmos um celulares com chamadas ilimitadas e um pacote de dados de uma boa operadora.
Não posso nem pensar no caso de a internet do colaborador não funcionar. Vamos ter que fazer aí uma redundância.
Já estou aguardando uma proposta das principais operadoras.
Parece que o custo de telefonia móvel caiu bastante e somando essas duas ferramentas vai ficar melhor e mais barato do que temos hoje. Só não podemos fazer economia com porcaria – filosofou ele.
Mas eu tenho uma grande preocupação com relação ao trabalho remoto, home office ou teletrabalho, como vocês quiserem chamar…
Como controlar o ambiente da casa do funcionário? Imagina se ele tem criança pequena chorando, cachorro latindo, música alta… Não sei, acho que isso não vai funcionar.
Todo mundo respirou fundo e o silêncio pairou no ar. Honório já estava se acostumando com a ideia, que pena.
O consultor de TELECOM então perguntou se eles já tinham mapeado o perfil de cada operador de telemarketing para saber quem o teria para esse trabalho. Todos olharam para Honório. De fato, ele sabia de cor e salteado o perfil de cada um deles.
Pegou uma folha de sulfite e um lápis e começou a listar:
Cirilo, que mora em Itaquera, não tem filhos, tem computador e internet em casa, mora com o namorado que é costureiro de noivas no Bom Retiro. Tem dois gatos e adorou a ideia.
Bianca, que é solteira e filha única de pais separados, mora com a mãe em Interlagos, tem tudo o que precisa e gostou da ideia.
Plínio, que mora em Itaquaquecetuba, é casado, tem uma filha de 10 meses que fica na creche o dia todo. A esposa trabalha de diarista, leva a menina para a escolinha e pega no final da tarde.
Ele não tem computador, mas já lhe arrumamos um laptop. Ele é vizinho da mãe que tem internet e já fizeram um acordo para rotear. Nós vamos pagar ao Plínio o custo da internet e eles se acertam por lá, até a empresa fechar com a operadora de celulares. No caso dele vai precisar de um pacote de dados de 10Gbs.
Madalena mora há duas quadras da empresa. Tem três filhos pequenos e um cachorro. Disse que prefere trabalhar aqui, por enquanto. Vai esperar ver o que os outros vão achar.
E por fim, temos Luciana. Ele sorriu largamente. Essa, pelo amor de Deus, o senhor deixa trabalhar em casa. Todos riram.
O consultor então disse:
Pelo que estou entendendo a empresa não terá problemas com a produtividade nem com a qualidade dos serviços. Eu mesmo trabalho home office e atendo clientes o dia todo.
O teletrabalho é um recurso muito interessante e os funcionários costumam gostar e isso se reflete no resultado da empresa.
Claro que terão dias que eles vão querer ver pessoas, trabalhar em locais diferentes, porém mais perto de casa. Mas isso é mais fácil do que a gente pensa.
Eu mesmo quando estou em São Paulo, às vezes tem faxineira em casa, às vezes estou cansado de trabalhar de lá, então trabalho num Out of oficce.
O Diretor bateu na mesa e disse: – Então, vamos prosseguir! Se tudo der certo, o local onde hoje está o telemarketing, vai virar uma extensão do depósito. A empresa está crescendo e o espaço está cada dia mais caro. Precisamos inovar!
Honório saiu vibrando da sala. Foi até a baia de Luciana e disse:
-Arruma as coisas, minha filha, que hoje você vai pra casa!
FONTES: www.tecmundo.com.br (imagem de tela com controle remoto)
https://esperandomeumissionario.wordpress.com (mulher assustada)
Imagem de capa: Photo by Shaz Sedighzadeh on Unsplash
Esse texto foi publicado primeiro em https://www.linkedin.com/pulse/o-que-greve-dos-caminhoneiros-te-ensinou-am%C3%A1lia-maldonado/
Hello, Leonardo!
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